Logo depois da "abolição" da escravidão, Monteiro Lobato apresentou ao senado brasileiro, recém republicano, um projeto de alfabetização das vítimas escravizadas por tanto tempo, numa forma de resgate desse crime social. E ouviu, na lata, algo como "ô, Lobato, tá maluco? Se alfabetizar essa negrada, quem é que vai pegar no cabo da enxada?" O projeto foi desprezado e a escravidão, desinstitucionalizada, permanece em essência até hoje.
Em 1954, Getúlio Vargas estava cercado, difamado pela mídia, ameaçado de golpe, o "manifesto dos coronéis", afinado com os interesses econômicos das elites estrangeiras e nacionais, ameaçava a derrubada inconstitucional do governo. Ele havia cometido várias "heresias" para essas elites - ensino público gratuito e obrigatório para todos os brasileiros (até então o analfabetismo grassava entre os mais pobres), atendido as já velhas reivindicações trabalhistas de oito horas de jornada de trabalho, férias remuneradas, licença maternidade e outros, revoltando os patrões e, heresia das heresias, mandado investigar a tal "dívida externa" que, reveladas as falcatruas, caiu pra 40% do seu total. Independente da sua índole centralista e tirânica, Getúlio catalizou o ódio das elites estrangeiras e sua subalternidade brasileira e, pra evitar o golpe, cometeu um suicídio político que acuou os golpistas com o levante revoltado das massas populares que o adoravam.
Em 61, Paulo Freire, durante o governo João Goulart, foi convidado pra fazer um programa piloto de alfabetização de adultos, no interior de Sergipe. Cinquenta lavradores analfabetos foram alfabetizados em seis meses, a ponto de lerem em voz alta. A partir daí ele foi chamado para o ministério da educação, pra realizar o mesmo programa a nível nacional, com a finalidade de extinguir o analfabetismo no território nacional. Heresia recebida com ódio pelas elites, somada a outras que levantavam a histeria dos parasitas podres de ricos, como o incentivo à formação de associações de trabalhadores e sua organização na defesa contra os abusos patronais, a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior por empresas estrangeiras instaladas no país e, heresia das heresias, decretou a reforma agrária, desapropriando dez quilômetros de cada lado de rodovias e ferrovias federais pro assentamento de pequenos agricultores familiares, facilitando o escoamento da produção, ligando o produtor, que ganharia mais, ao consumidor, que pagaria menos, eliminando as figuras dos atravessadores que encareciam os alimentos. Os mesmos coronéis que ameaçaram Getúlio, então generais, deram o golpe planejado, conspirado e articulado na embaixada dos Estados Unidos pelo então embaixador Lindon Gordon, que fez a quarta frota estadunidense sair carregada de armamentos e soldados pra iniciar uma guerra no Brasil como a do Vietnam, contando com as ações das elites locais, sempre traidoras do seu país e desprezadoras do seu próprio povo. Jango, sabedor dessas ações e intenções, não reagiu ao golpe, "pra evitar o derramamento de sangue de milhões, numa guerra fratricida", como ele mesmo disse. Sozinho, rejeitado pela arrogância da esquerda - como latifundiário e "lacaio" do capital, incapaz das mudanças sociais que só ela seria capaz - não encontrou apoio e seu governo foi derrubado, como disse Darcy Ribeiro, "não pelos seu erros, mas pelas suas virtudes".
Os militares, instalados no poder governamental, cumpriram a agenda programada. Destruíram a educação pública, incentivando a privada, perseguiram e destruíram sindicatos, associações e organizações populares, varreram das universidades todos os professores que tinham alguma preocupação social, com as injustiças históricas, com a miséria, a pobreza, a exploração, a ignorância e a desinformação, com a formação verdadeira de um povo mais evoluído em suas percepções e relações sociais. E pra ocupar os vastos espaços vazios, a Fundação Ford, de conhecido banqueiro estadunidense, se instalou em território nacional na "boa" intenção de formar professores universitários. Foi daí que começou a se formar a mentalidade empresarial que hoje submete o ensino acadêmico, a desumanização dos cursos, a maldade explícita que favorece os favorecidos e sacrifica as multidões historicamente sacrificadas. Ao mesmo tempo se desenvolvia o império midiático, com a Time-Life equipando a Globo golpista desde sempre, destinado a formar mentalidades, valores, comportamentos, desejos, objetivos de vida, relações sociais. E determinar "inimigos", comunistas na época, "terroristas" atualmente, sempre inimigos pra justificar os crimes contra as populações.
(https://www.youtube.com/watch?v=SaU6pIBv9f4 e https://www.youtube.com/watch?v=AVCoVVpVMTo)
É demonstrativo perceber que, mesmo numa casa pobre onde se encontra dificuldade até pra comer, se encontra uma televisão, com toda sua psicologia do inconsciente, programando mentalidades. É a estratégia do controle mental, direcionado a cada classe social com seu linguajar próprio, especialidade da mídia que as esquerdas nunca tiveram. A mídia inimiga fala a língua do público, em sua sedução criminosa baseada em mentiras, distorções e induções.
Quando os militares começaram a apresentar nacionalismos "incômodos" - a iniciativa de povoamento da amazônia, o reconhecimento da independência de Angola, mesmo levada por uma guerrilha socialista, o investimento no desenvolvimento de tecnologias nacionais,... - , começou-se a armar a "redemocratização", na verdade a remontagem da farsa da falsa democracia de sempre, com as instituições todas sob controle, infiltradas e dominadas pelos poderes financeiro-econômicos anti-populares. Tudo corria dentro do previsto, inclusive quando foi eleito o partido dos trabalhadores, devidamente "esterilizado" da influência popular e lavado das suas correntes mais coerentes com o programa do partido, para conter os movimentos populares que, redivivos, estavam em efervescência. Como planejado, esses movimentos se acalmaram e acomodaram, na ilusão de que "chegamos ao poder", sem considerar que os governos, há muito, não são o poder, mas sim manipulados pelo verdadeiro poder, o do punhado de parasitas sociais podres de ricos internacionais e nacionais. Mas os efeitos colaterais - pobres nas universidades, ascensão de parte da pobreza à capacidade de consumo de classes médias, menos miséria e desabrigo, adesão ao princípio de integração latinoamericana, informações escapando do controle midiático,... - levaram à derrubada desse partido, descaradamente de forma ilegal, com o judiciário elitista dando nó e desprezando leis com malabarismos jurídicos incompreensíveis ao cidadão comum confundido com as campanhas de ódio e difamação pela mídia privada.
Agora estamos vendo a extensão do programa de subalternização acelerada da totalidade institucional, e o povo se ferrando sem entender o que acontece, ignorantizado, desinformado, inferiorizado e enganado. A coisa toda é muito simples e fácil de entender quando se olha a situação de degradação social em que nos encontramos.Fecham-se as portas do conhecimento pras classes "inferiores", exterminam-se programas de inclusão social, ataca-se o ensino público mais uma vez, eliminam-se vagas nas escolas, ao mesmo tempo em que se constróem presídios que se pretende privatizar pra gerar lucros com os milhões de presos que essas atitudes vão criar. O futuro se apresenta escuro. Mas é na escuridão que se percebe o valor da luz. O sofrimento programado está a caminho, para além do sofrimento cotidiano das multidões. Na minha opinião, isso não vai ficar assim. Questão de tempo pra assimilação da realidade, no seu cotidiano.
Estamos trabalhando, os humanos, contra a desumanidade dos vampiros sociais que, cegos em sua arrogância, não sabem com quem estão tratando. As periferias estão, muito pouco a pouco, se ligando e tomando suas atitudes, de forma embrionária e despercebida. São os debaixo, os formadores inconscientes do alicerce da sociedade, quem vai impor as mudanças necessárias à harmonização social. Em seu tempo, que leva gerações, o que desespera os apressados condicionados ao sentimento de superioridade que desejam "conduzir as massas", na permanente pretensão dos declarados "revolucionários", que temem as favelas e não entendem nada do povo de verdade, nem falam uma língua que se entenda no chão da coletividade.
Quando se enxerga o panorama histórico, não há "absurdo" ou "retrocesso", mas a continuidade do programa estabelecido pelos inimigos de sociedades justas, pelos exploradores e mantenedores fervorosos da ignorância, da miséria, da desinformação que permitem a exploração desenfreada da população e dos recursos nacionais, as poucas dinastias de podres de ricos, verdadeiros demônios da humanidade. É preciso enxergar a realidade antes de resolver como agir, como participar da maneira que se quer, e não da forma programada pra ser ineficaz, impotente e cênica.
Quem pretende mudar o mundo está induzido pelos condicionamentos do sistema social escravista, inoculado de sentimentos falsos de superioridade sobre o povo roubado em seus direitos fundamentais. É preciso quebrar esses pedestais de vidro, artificiais e segregadores, criadores de distâncias que impedem a união solidária do saber da academia com a sabedoria das vivências sabotadas, que tem origem no sofrimento e na superação de dificuldades que nenhuma outra classe tem.
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sábado, 17 de junho de 2017
sábado, 10 de junho de 2017
Ravi, 29 anos.
Num dia com os números de hoje, em 1988, fomos de Prudente de Morais, cidade com três mil habitantes na sua área urbana, norte de Minas, pra Sete Lagoas, no fusca do prefeito de Prudente, por um motorista da prefeitura - a ambulância estava noutra missão -, onde havia uma maternidade. Às oito em ponto da noite, nascia Ravi, aos oito meses de gestação, de bunda. Moramos em Prudente durante quatro anos e depois fomos pra Visconde de Mauá, quando passei a morar só com meus filhos. De lá pra cá, tanta água passou debaixo desta ponte...
Hoje eu lembro da história. Uma história de muitas histórias. E ele é um homem vivendo.
Hoje eu lembro da história. Uma história de muitas histórias. E ele é um homem vivendo.
sábado, 3 de junho de 2017
Investimento em escolas decentes, não em presídios.
Duvido que houvesse tanta oferta de crianças, adolescentes e jovens pro crime se as escolas fossem boas, se o investimento em educação fosse prioridade, como no tempo dos CIEPs. As crianças faziam questão de ir pra escola, exigiam dos pais mais relapsos. Havia café da manhã, almoço, lanches e janta, banho e escovar os dentes antes de entregar aos responsáveis, no fim do dia. Além de aulas tinha música, teatro, esportes, artes, havia interesse na formação integral e os resultados eram visíveis. A criminalidade nunca foi tão baixa, reduzida às bocas de fumo localizadas, assaltos eram raros, os índices eram muito mais baixos. A fábrica de escolas construída na época permitia a montagem em concreto armado de uma escola em um mês ou pouco mais, pra quinhentas, mil, mil e quinhentas crianças, conforme a necessidade local.
Escolas assim, interessadas na formação do ser humano como um todo, formam um povo mais instruído, mais esclarecido, mais capaz de pensar por si, mais difícil de se conduzir com mentiras, promessas e sorrisos. Daí a sabotagem do ensino público, na criação de ignorância, daí o enquadramento do ensino privado e do acadêmico em valores empresariais, apresentando o mundo como uma arena competitiva, um campo de batalha onde se deve vencer, e não como uma coletividade que tem, ou deve ter como objetivo a harmonia, a paz social, a inclusão e o cuidado de todos para com todos.
Isso deve parecer impossível, nas determinações dos poderes sociais, os econômicos - exercidos sobre o aparato estatal e sobre as mentes formadas, induzidas e controladas com valores, comportamentos, objetivos de vida, desejos programados, visão de mundo distorcida. Acreditamos num monte de mentiras e, no fim da vida, temos a sensação de ter vivido em vão. Enxergar a realidade implantada dentro de si é o primeiro passo pra ver e pensar além do condicionado. E é fundamental na mudança de valores, de comportamentos, muitas vezes de coletividades - e muda o mundo, a vida, os gostos, os sentimentos em viver.
Me parece constrangedoramente óbvio que se o Estado investisse na sua população o que é de direito constitucional, os artigos básicos dos direitos humanos, a criminalidade cairia verticalmente. Como é também constrangedoramente óbvio que se vejo esse mesmo Estado fechar turnos e escolas, reduzir espaços e superlotar salas, desfazer programas que abriam portas de estudos a pessoas da parcela enorme sem condições de pagar, enquanto investe na construção de presídios, vejo as intenções que movem essas atitudes. Percebendo o processo de privatização do sistema carcerário, a fecha o quadro. Quem pretende diminuir a criminalidade não constrói presídios, investe em escolas, no ensino, na população. Prisões são escolas de crimes e se relacionam intimamente com a sociedade, todo o tempo, profundamente. Dorme quem não vê. A criminalidade se entranha em todos os níveis da sociedade, com a mídia como seu porta-voz, condutora da mentalidade, distorcedora da realidade, controladora das informações, malabaristas de verdades fabricadas.
Refugiados do Desenvolvimento - filme
Uma sociedade comandada pelos interesses de poucos bilionários, com apoio dos milionários locais, sempre às custas das populações, de exploração, expulsão, criminalização de resistências, mortes e perseguições. Uma sociedade criminosa, um Estado seqüestrado pelas forças econômicas que clamam por desenvolvimento econômico - sem eliminar a miséria, a pobreza, a ignorância e a desinformação das multidões -, que louvam o desenvolvimento tecnológico - devidamente patenteado, negado à maioria e usufruído por minorias privilegiadas. Uma estrutura social baseada na competição, no confronto, na disputa, na busca frenética de lucro, consumo e propriedade, nas mentalidades artificialmente criadas em laboratórios de pensamento e implantadas pela mídia - com o apoio do modelo distorcido e tendencioso imposto ao sistema de educação, que marginaliza professores humanistas e vocacionados, que influencia a própria formação destes de acordo com interesses empresariais. Um modelo social de causar vergonha e revolta a qualquer espírito desejoso de harmonia social e minimamente consciente do que acontece na realidade, naturalmente inconformado com as gritantes injustiças e perversidades naturalizadas e costumeiras no cotidiano coletivo.
Uma sociedade criadora de "lixo humano", perpetuadora de "escórias", criminalizadora das suas próprias vítimas, contadas às centenas de milhões, bilhões em escala planetária.
Este filme mostra um pequeno pedaço, uma amostra de conseqüências humanas de uma estrutura social "naturalmente" desumana.
https://vimeo.com/160568538
quinta-feira, 1 de junho de 2017
O fazendeiro de Linhares e o massacre de Pau Darco
Mais um massacre, mais uma história na barbárie rural que sempre houve, desde a chegada dos europeus. Eu estava em viagem, a vida tomada, quando soube do que aconteceu em Pau Darco, no Pará, um dos estados que conta mais mortos entre camponeses e indígenas, sempre em nome de interesses econômicos, madeira, criação de gado, monoculturas, a grana sempre valendo mais que a vida, característica do modelo de sociedade em que vivemos, ainda com muito pra evoluir. A harmonia social tem custado muitas e muitas vidas, sobretudo com a invasão e o domínio europeus em todos os continentes, impondo com armas uma civilização que nunca foi chamada pelos povos.
Lembro de uma vez, em Linhares, já com a mãe dos meus filhos mas ainda sem filho nenhum, passávamos a caminho da Bahia e paramos num puteiro pra dormir. Já sabíamos que nessas casas encontrávamos sempre uma boa solidariedade, vendíamos nossas pulseirinhas ainda toscas, arrumávamos o que comer barato ou mesmo de graça e dormíamos da mesma forma. Entramos, vendemos, conversamos, comemos e bebemos, quando chegou um fazendeiro conhecido, freqüentador, falando alto e centralizando as atenções. As meninas o tratavam com toda deferência - esse aí gasta muito quando vem - e ele parecia em casa. Nos olhou com curiosidade - éramos de fora e estávamos de passagem - e puxou conversa. Logo o papo corria solto e ele demonstrou uma grande simpatia por nós. Chamou pra jantar e nos levou a um restaurante chique, do outro lado da cidade. Coisa rara, fomos comer comida cara. Entre piadas e relatos - que eu ouvia atento - ele mencionou uns "vagabundos" que tinham "invadido" uma área esquecida e distante das suas terras, tão distante que quando ele ficou sabendo já estavam roçando e fazendo hortas. Um funcionário foi quem trouxe a notícia e ele resolveu o assunto a bala, como é características dos fazendeiros ricos, pelo que pude ver nos territórios onde andei. Era um cara grande, peludo, meio ruivo, e parecia ter gostado muito de nós. Falava alto e contava histórias, eu estava na época das pesquisas antropológicas de rua, a partir de um ponto de vista que nunca vivera, o de quem não tem nada. Não julgava, apenas ouvia e guardava minha opinião ainda em formação, sem conclusões definitivas.
Numa certa altura do jantar, ele viu um camburão da polícia local passando, acenou gritando e a viatura parou. Ele saiu da mesa e foi até eles, mandou os soldados descerem - pra meu espanto, desceram todos - e me chamou, "vem cá, Eduardo, agora cê vai dirigir camburão". Obviamente eu me recusei, na repulsa natural de quem se via hostilizado por aquela instituição cotidianamente, olhado com desconfiança, tratado com agressividade e tomando geral com freqüência. Ele insistiu, diante dos olhares contrafeitos dos policiais, que me viram cabeludo, de barba rala, cara de hippie, típico "inimigo", embora pacífico e desarmado. Pro alívio deles, mantive o pé dizendo, "aí eu só entro contra a vontade, e é lá atrás". Mas fiquei intrigado com a intimidade, com o poder que um civil tinha sobre os militares. Era o primeiro esboço da promiscuidade entre os poderes econômico e público. Ao longo do tempo, pude "apreciar" esse conluio, essa cumplicidade, muitas e muitas vezes.
A brutalidade do cara, embora a simpatia por nós, já estava me dando uma certa repulsa pessoal, a agressividade era evidente mesmo no afeto demonstrado por nós. Um afeto que eu intuía muito próximo de se transformar em raiva, por qualquer motivo que o desagradasse. Ele nos deixou de volta na casa das meninas, mandando cuidar bem da gente e prometendo voltar no dia seguinte, pra nos levar a uma das suas fazendas. De manhã cedo, tratamos de pegar a estrada e partir antes que ele chegasse.
Lembrei desse encontro, depois do massacre no Pará, na percepção de que os donos de terras sempre contaram com violência armada, com jagunços, "seguranças", sempre expulsando os camponeses ou os povos originários, seja das "suas" terras (nem sempre legais), seja de terras cobiçadas. E isso se aplica a empresas também, a Aracruz Celulose (hoje Fibria) também teve, segundo a mídia, a resistência dos indígenas quando instalou sua fábrica na Barra do Riacho, Espírito Santo. Na televisão saía que os "índios" tentavam impedir o desenvolvimento do estado. Depois eu soube que houveram vários massacres e, por fim, os indígenas foram dispersados a tiros. Os remanescentes que conseguiram fugir a tempo se reuniram sob a tutela da Funai e, vinte anos depois, constituídos em associação, conseguiram o "direito" de ocupar uma pequena área do que era seu e foi tomado. Imediatamente a empresa acusou o "absurdo", afirmando que ali nunca haviam existido originários e levantando uma enorme placa publicitária na estrada, dizendo "A Aracruz trouxe 1.500 empregos. A Funai trouxe os índios". É a canalhice criminosa que constitui a nossa sociedade. Os indígenas chegaram vistos como criminosos, pra ocupar um pedaço das terras que lhes foram roubadas.
O massacre do Pau Darco marca mais uma ação genocida no território nacional, pra vergonha de todos nós, imersos em valores falsos, induzidos a comportamentos e mentalidades que alimentam esse formato de sociedade, na visão de mundo produzida em laboratórios de pensamento e implantada pela mídia - como dizia Milton Santos (no filme "Conversas com Milton Santos - a globalização vista pelo lado de cá", do Silvio Tendler, documentário importante pra quem quiser formar uma visão de mundo própria, fora do padrão superficial que nos é imposto).
A barbárie social predomina, em áreas urbanas e rurais, em toda parte. A ação da polícia de Pau Darco, sob as ordens de um juiz local, não é novidade alguma. Vi o ódio das forças de segurança muitas e muitas vezes contra os pobres, urbanos ou rurais, que não se conformam com as injustiças que sofrem no cotidiano. Pelo que vejo, está carimbado na mente desses agentes que pobre tolerável é o de cabeça baixa, conformado em seu sentimento de inferioridade e impotência, agradecido por ser explorado e maltratado pelo sistema social - que é a "vontade de Deus", fazer o quê, né... Pobre que levanta a cabeça, questionando a injustiça social, reivindicando direitos constitucionais, é comunista, subversivo, inimigo da sociedade e da "democracia" - essa farsa absurda que descara o poder econômico, do mercado financeiro, do latifúndio, dos bancos e mega-empresas, sempre um punhado de parasitas podres de ricos que compram os candidatos em suas campanhas eleitorais e determinam as bases das políticas falsamente públicas.
Toda solidariedade às famílias dos assassinados, que ao menos se perceba como funciona esta sociedade anti-humana onde o patrimônio e o lucro valem mais do que a vida - não só a humana, mas todo o tipo de vida, o meio ambiente, as águas, as florestas, os micro-organismos, toda a base biológica da harmonia natural, da saúde do planeta. Uma sociedade injusta, perversa, covarde e suicida - em benefício de pouquíssimos e em prejuízo de todos nós.
http://apublica.org/2017/05/pau-darco-urgente-testemunhas-oculares-do-massacre-reforcam-tese-de-execucoes/
https://outraspalavras.net/deolhonosruralistas/2017/05/25/massacre-de-pau-darco-liga-dos-camponeses-diz-que-fazenda-fica-em-terra-publica/
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12586-pobre-para
Aqui se vê retrocesso no procedimento padrão, continuado, permanente desde a invasão européia. A Carta Capital é a esquerda de elite acadêmica, natural a visão sem pé no chão, embora também valiosa nas buscas de informação: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/para-sangrento-para
Na visão esterilizada da Globo, se vêem alguns elementos dispersores, embora os fatos sejam inegáveis e contundentes. Representantes de movimentos sociais continuam afirmando que a polícia é "despreparada", cegos ao fato que ela é preparadíssima pra fazer o que faz, que as forças de segurança existem contra os mais pobres desde sempre, porque são criadas pelas elites e não pela população. A necessidade de mídias independentes dos interesses comerciais se apresenta como pra "...enfrentar a guerra de comunicação e disputar a narrativa dos acontecimentos nas mídias sociais e alternativas para fazer frente a alguns parlamentares, comunicadores e grupos de policiais que estão incentivando a violência e criminalizando os trabalhadores assassinados" que estão incentivando a violência e criminalizando os trabalhadores assassinados". A mídia não pode assumir que esta é a pauta rotineira do seu "trabalho de comunicação", favorecer sempre a concentração de riquezas e poder, numa sociedade pobre de espírito. Taí:
http://g1.globo.com/pa/para/noticia/vigilia-denuncia-violencia-no-campo-uma-semana-apos-chacina-em-pau-darco.ghtml
https://www.brasildefato.com.br/2017/05/31/chacina-em-pau-darco-tem-as-mesmas-raizes-do-massacre-de-carajas/
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