A espiritualidade não precisa de religião. Ela é exercida na vida prática, nos relacionamentos, na conduta, na forma de se relacionar com o mundo, com as pessoas, com as coisas e com os acontecimentos. Na agressividade ou na serenidade, na cobrança e na acusação ou na compreensão e no acolhimento, na generosidade ou no egoísmo, na humildade ou na arrogância. Nos sentimentos que se produz em si mesmo e nos que se causa nas pessoas em volta. Há espiritualidade em todas as religiões – e fora delas. Em todos os níveis. Não depende da religião, mas da alma de cada um. Não importa no que se acredita, não importa se não se acredita em nada. É no comportamento que se revela o que se é, não na crença.
A escolha de como tratar com a espiritualidade é direito de
qualquer um, a ser respeitado coletiva e individualmente. Um desenvolvimento social
e individual ainda muito pouco alcançado, pelo que se vê no mundo, religiões
primitivas, ignorantes e arrogantes, demonizando e atacando outras formas de
espiritualidade, sejam quais forem, desde que diferentes da sua. Ainda não se
alcançou o estágio de humildade pra reconhecer a própria pequeneza e a
incapacidade de compreender dimensões inalcançáveis pela razão humana. Embora se
possa perceber o desenvolvimento ao longo do tempo, de anos a milênios. Do
individual ao coletivo.
Há quem não perceba, há quem negue e é direito de qualquer um
negar. É a contraposição aos que definem o indefinível, explicam o
inexplicável, concebem o inconcebível e impõem sob ameaça – ou se acredita, ou
se está condenado ao sofrimento eterno do inferno. A arrogância de estar em
contato direto com o “supremo ser do universo”, um universo que nem conhecemos
ainda, acaba criando um deus de características humanas, vaidoso e vingativo,
com exigências tenebrosas e ameaçadoras, promessas de felicidade e prazeres – ou
sofrimentos torturantes – ”por toda a eternidade”. Pobre ser humano
inconsciente ainda do seu próprio desenvolvimento espiritual, empurrado à
frente pela força dos acontecimentos, levado pela mutação permanente que é uma
das leis que se podem perceber claramente – mas que, em geral, não se leva em
conta. Ainda.
Vai se percebendo, muito pouco a pouco, que a espiritualidade
verdadeira está na solidariedade prática, no sentimento de família humana, de
pertencimento à natureza, no comportamento afetivo, generoso, igualitário e
respeitoso. Que as necessidades materiais são muito menores que as necessidades
espirituais, que o corpo abstrato – sentimento, pensamento, caráter, desejos,
objetivos de vida, visão de mundo – é muito mais importante e duradouro que o
corpo físico. Que a verdadeira satisfação pessoal está diretamente ligada à
satisfação coletiva. Vai se descobrindo, no íntimo de cada um, e se percebendo,
pelos exemplos que aumentam no convívio social, sem barulho, sem chamar a
atenção – a não ser dos atentos, exceções às regras. Ainda.